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Writer's pictureBruna Rezende Leite

Reflexos da Pandemia: MP 936 dificulta vida de trabalhadores

Updated: Aug 22, 2022


Cortes de salários e suspensão de contratos colocam em xeque a manutenção da casa e da segurança alimentar




Por Bruna Leite e Catiane Pereira


A carne virou ovo, o biscoito recheado passou a ser de água e sal e o cartão de crédito tentou ser esquecido em uma gaveta, assim como os juros da fatura que vão se acumulando. Essa é a realidade de milhares de brasileiros que tiveram seus contratos de trabalhos suspensos pela Medida Provisória (MP) 936/20, que autoriza a suspensão ou redução das jornadas de trabalho em até 60 dias. A medida, que busca garantir os empregos dos trabalhadores durante o período de isolamento causado pela pandemia da Covid-19, gera cortes de salário que não garantem o pagamento das contas e a compra de alimentos no fim do mês.


—Todas as economias que tínhamos já acabaram —, Pedro Soares, recepcionista de hotel em São Paulo

Pedro Soares*, foi um dos atingidos pela medida. Funcionário de um hotel na capital paulista, teve seu contrato suspenso por 60 dias. Com a esposa grávida de seis meses e sem receber nenhum benefício da empresa, como vale alimentação ou refeição, Pedro afirma que o valor do benefício não será suficiente para suprir as despesas da casa.


Por mais que me garanta o emprego, a suspensão compromete completamente o nosso orçamento. Com a base de cálculo do seguro desemprego, o valor bruto do salário é reduzido e na alimentação já estamos tendo que optar por produtos mais baratos. Todas as economias já acabaram , conta Pedro.


De acordo com a advogada trabalhista Monique Guedes, o cálculo do benefício de fato pode gerar uma perda salarial de aproximadamente 20%. Porém, ela lembra que para os trabalhadores que nos últimos três meses receberam o equivalente a um salário mínimo (R$1.045), sem acréscimos ou bonificações, será mantida a mesma quantia salarial, uma vez que esses trabalhadores se enquadram no valor piso base de cálculo do seguro desemprego.


Para Teresa Santos*, auxiliar de turma de um colégio em Niterói - RJ, a redução dos ganhos mensais causada pela suspensão dos contratos é ainda mais preocupante. Morando com a mãe e dois irmãos, Teresa é a única que possui carteira assinada. Sua mãe, fisioterapeuta recém formada, recebe por consulta. Com o isolamento, que já completa dois meses no Rio de Janeiro, os ganhos dela com a profissão chegaram a zero.


Devido ao período de incerteza, Teresa deixou de pagar o curso de seminário teológico, para destinar o valor aos gastos da casa. Ela conta que os gastos com alimentação e contas básicas dobraram: Com todo mundo em casa o dia todo o consumo aumentou e a conta deslanchou! A conta de luz que vinha R$90, passou para R$180! .


No fim das contas, quanto recebe o trabalhador?


Informações cruzadas vindas das empresas que adotaram a MP 936 vêm confundindo os trabalhadores. Para Teresa Santos, que recebeu a notícia por um áudio no aplicativo WhatsApp, nem a legislação e nem a empresa foram claras quanto a norma. Já para Maria da Silva e Silvana Gomes*, que trabalham em um shopping na Zona Leste de São Paulo, os descontos na parte compensatória do benefício os 30% que serão pagos pela empresa serão feitos mesmo que vá contra as orientações do Governo Federal.


— A suspensão garante que o governo irá pagar nosso salário, né? Mas o problema é que isso é uma grande surpresa: não dizem quanto, nem quando —, conta Teresa Silva

Para Teresa, mesmo os sites que buscam explicar a medida não conseguem deixá-la acessível para o público geral:


Não ter um acesso claro à medida é perigoso, porque se alguma empresa pedir para um funcionário assinar um contrato, cujas condições previstas não estejam de acordo com a lei, ele irá assinar sem saber , opina a auxiliar.


Maria da Silva é uma das que vivem essa realidade:


Na minha loja não temos como trabalhar por outro meio a não ser presencial. Recebemos a notícia da suspensão por meio de uma reunião on-line. Lemos o termo e enviamos um anexo assinado com o número de uma conta corrente ou poupança para o governo depositar os 70%. Porém ainda não sabemos o valor que iremos receber. Eles nos mandaram um link de simulação para podermos ter uma ideia dessa quantia, mas acreditamos que será pouco, já que a empresa anunciou que dos 30% que irá depositar, será abatido os descontos de INSS, convênio médico e cesta básica .

MP 936/20, art. 8º, § 2º, inciso I│ Fonte: Jusbrasil


Segundo a advogada Monique Guedes, as empresas não podem realizar descontos ou reduções na parte do salário pago por elas.


Durante o período em que a MP estiver vigente, os 30% pagos pela empresa possuem caráter indenizatório. Ou seja, estes não podem sofrer qualquer desconto e nem servir de base para impostos, taxas ou contribuições .


Para os que possam se perceber em situações como essa, a advogada aconselha:


Se o trabalhador se identificar nessa posição, o ideal é que este busque um advogado, para que seu caso seja analisado individualmente e em profundidade e, caso necessário, entre com uma reclamação trabalhista com tutela de urgência .


Para que o trabalhador saiba exatamente quanto virá a receber durante o seu período de suspensão de contrato, a advogada indica que se faça o seguinte cálculo:



Segundo a advogada, o "resultado final" gerado pelo cálculo servirá de base para os trabalhadores empregados por empresas que faturam até 4,8 milhões de reais brutos por ano. Já para os que são empregados por empresas que possuem um faturamento acima desse valor, deve-se fazer uma conta de porcentagem ou "regra de três", para saber o valor dos 70% pagos pelo Governo Federal.




Para Monique, a medida provisória veio na esperança de manter os contratos de trabalho ativos, para evitar o rompimento do vínculo e diminuir a curva de desemprego, que para ela está sendo um reflexo da pandemia.


O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) calcula que a taxa de desemprego do Brasil pode pular dos atuais 11,6% para 16,1%, já neste trimestre. Isso significa que 5 milhões de pessoas podem entrar na fila do desemprego em apenas três meses, elevando o número de 12,3 milhões para 17 milhões de pessoas sem trabalho no Brasil. A MP veio na esperança de manter os contratos de trabalhos ativos, para evitar o rompimento do vínculo e diminuir a curva de desemprego, que na verdade está sendo um reflexo da pandemia. As empresas estão sofrendo porque não foram preparadas para esse cenário. Acredito que a taxa de desemprego esteja aumentando sim, mas não pela MP , declarou.


O preço do “cartão emergência”


Com a renda familiar comprometida, o pagamento de contas, gastos com alimentação e aluguel se tornam apenas parte do desafio de enfrentar a pandemia. Pois quem passa pela suspensão de contratos, ainda vive outro pesadelo: os juros do cartão de crédito. Para Teresa, Maria e Pedro, mesmo sabendo do alto custo dos juros diários e mensais, assumir a dívida será o único caminho possível a seguir, e sem previsão de quando chegarão ao final dele.


Segundo a pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes e Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) sobre o Endividamento e Inadimplência do Consumidor, até fevereiro de 2020, 65,1% da população brasileira possuía dívidas ativas. Dessas, o cartão de crédito foi apontado como o principal fator de endividamento das famílias. Além disso, em levantamento realizado pelo SPC e CNDL, em junho de 2018, apontou que um em cada cinco consumidores usa o cartão de crédito para complementar o salário. Desses, 43,7% mencionam que a principal razão de terem adquirido o cartão, está no fato do recurso ajudar em momentos de imprevisto ou necessidade.


Apesar do benefício, o dinheiro não será suficiente para pagar as contas do mês, já que o salário do meu marido também foi reduzido. Mesmo gerando juros, o cartão vai ter que ficar para depois , conta Maria da Silva, lojista.

Fonte: SPC/CNDL


Para Ana Santiago, que trabalha no setor industrial, no Ceará, e Joaquim Melo, designer em Pernambuco, a suspensão dos contratos não causará “apertos econômicos”. Ao longo dos anos trabalhados, ambos conseguiram construir uma poupança emergencial, que os supre neste momento de crise.


Juntando o seguro com a reserva dá para ficar tranquilo. Fazer uma compra e uma feira boa para dentro de casa. Mas mesmo se estivesse sem elas, eu continuo a favor da quarentena. É melhor passar aperto e continuar vivo —, opina Joaquim Melo, designer.


Contudo, poupar dinheiro não vem fazendo parte da realidade da maioria dos brasileiros. Segundo o SPC e a CNDL, até setembro e 2019, 67% da população não conseguiam poupar dinheiro e 40% desses alegavam ter renda muito baixa para tal.


A poupança que tínhamos, usamos para pagar o aluguel. Já estamos verificando a possibilidade de um trabalho informal, como delivery, para ajudar na renda , conta Maria Silva, lojista


* Nas entrevistas, os nomes das fontes foram alterados de modo a protegê-las e evitar retaliações.

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