Trabalhadores essenciais e informais enfrentam o dilema de uma rotina sem proteção para conseguir o sustento da família
Por Bruna Rezende e Pâmela Dias
Publicado originlamente em: https://commovimentouff.wixsite.com/emerge/post/sem-escolha-trabalhadores-mant%C3%AAm-rotina-durante-pandemia
Ana da Silva tem 38 anos e há cinco trabalha como encarregada em uma padaria em Deodoro, na zona norte do Rio. Diante da pandemia de coronavírus, o dono do estabelecimento firmou acordos individuais com cada trabalhador, frente às novas medidas provisórias que fragilizaram as normas trabalhistas. Com 30% de seu salário reduzido, tenta encontrar saídas para manter as necessidades básicas da família em dia e ainda se proteger do vírus. Equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras, ainda não são cedidos pela empresa na qual trabalha.
“Eles se preocupam em ter álcool em gel e luvas, mas não estavam se preocupando com a máscara” - Ana da Silva, encarregada de padaria.
Essa é a situação de milhões de brasileiros que não podem deixar sua rotina de trabalho para atender à determinação dos governos de evitar contato social, sejam eles trabalhadores informais ou com carteira assinada. Para os que possuem registro profissional, a Lei nº 936 possibilita a instituição de acordos entre empregador e empregado, a partir da redução da jornada de trabalho, reajuste salarial e suspensão de contratos por até 60 dias. Nesses casos, o trabalhador deve ser assegurado simultaneamente pelo Governo, através do seguro-desemprego. Contudo, no caso de Ana da Silva, essa determinação ainda não foi cumprida.
— Eu não estou recebendo nenhum seguro. O que foi informado para a gente é que o governo vai repor o restante do nosso salário, mas meu patrão não soube dizer quando isso vai acontecer. O nosso sindicato de panificação está ciente em relação ao benefício do governo e eu acredito que a empresa também, mas eles não estão querendo alarmar a gente porque, apesar de nós da equipe entendermos o cenário difícil, muitos não concordaram com os acordos realizados — disse ela.
Quanto aos EPIs, a encarregada conta que na padaria onde trabalha estão cedendo apenas álcool em gel e luvas, apesar de ser um estabelecimento que lida com atendimento ao público. Até o momento, ela é a única que faz o uso de máscara, devido a um problema pulmonar que teve recentemente. No entanto, o material é custeado por ela mesma. De acordo com Ana da Silva, a padaria só vai começar a distribuir máscaras aos funcionários a partir desta segunda-feira (20).
— Eles se preocupam em ter álcool em gel e luvas, mas não estavam se preocupando com a máscara. Eu conversei com uma das responsáveis e falei que precisávamos usar as máscaras. Ela disse que segunda-feira vai ver essa questão e que vai ser obrigatório o uso de máscara para todos os funcionários — relatou.
O risco de contágio dos trabalhadores essenciais
Entre outros funcionários que exercem funções consideradas essenciais, como atendentes de supermercados e farmácias, a situação se repete. Muitos temem perder seus empregos caso reclamem ou denunciem a falta dos materiais de proteção. Uma atendente do supermercado Mundial, em Niterói, que preferiu não ser identificada, contou ao Comunicação em Movimento que o estabelecimento só passou a oferecer álcool em gel nove dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia de Covid-19. Até o dia 20 de março, o local ainda não disponibilizava máscaras e luvas aos funcionários, mesmo diante da aglomeração de pessoas que hora a hora se forma na loja.
Trabalhadores essenciais trabalham sem proteção diante da pandemia | Foto: Agência Brasil
— Eles só começaram a disponibilizar o álcool gel hoje [20/03]. O balcão passaram a limpar ontem [19/03], mas ainda não disponibilizaram luva nem máscara. Para ir no banheiro, a gente coloca o nome em uma lista e esperar alguém vir para liberar. Não tem quantidade de vezes que pode ir no banheiro, mas demora — disse.
Por trabalhar em período integral, sem sistemas de rodízio, os funcionários ainda enfrentam diariamente a lotação dos transportes públicos. De acordo com outras duas atendentes do supermercado, alguns empregados estão tendo gastos extras com passagens e não sabem se a empresa irá ressarci-los. Além disso, até o dia 20 de março nenhuma notificação tinha sido feita à equipe, em relação a possíveis atrasos no batimento de ponto. Com as frotas reduzidas, os ônibus demoram mais a passar e alguns têm desrespeitado o limite de passageiros, gerando aglomeração nos veículos e maior risco de disseminação do vírus.
— Até esses dias eu não estava com medo, mas aí eu fiquei em casa assistindo jornal e vi que era grave. Eu tenho pessoas em situação de risco em casa. Minha avó e minha mãe têm problema de coração e são diabéticas. Moramos todas na mesma casa. Elas não estão saindo, mas eu e meu pai continuamos trabalhando fora — contou.
“A gente mantém a fé em Deus de que tudo isso vai acabar e vamos voltar com a rotina normal de trabalho, com carteira assinada, apesar de ainda ser ambulante na rua” - José Bezerra, ambulante.
Quando procurados, por meio do Atendimento ao Consumidor (SAC), o supermercado Mundial relatou que informações sobre o contágio do coronavírus e medidas de proteção aos funcionários já haviam sido aplicadas há dias. Questionados sobre quais eram as medidas, responderam que disponibilizam álcool em gel nos balcões e que aumentaram a reposição de produtos nas prateleiras e de sabonete nos banheiros.
O dilema dos trabalhadores informais
A situação dos trabalhadores informais não é diferente. José Bezerra, morador de Japeri, na Baixada Fluminense, é vendedor ambulante e alterna seu serviço entre vender refrigerantes e água no verão e guarda-chuvas durante os dias nublados. Neste período de pandemia do coronavírus, a escolha é difícil: se expor nas ruas da cidade e correr o risco de contrair o vírus ou ficar em casa e não conseguir sustentar a família. Para garantir o bem-estar de todos, o ambulante optou por seguir trabalhando. No entanto, em alguns dias da semana, ele não consegue realizar nenhuma venda, devido à baixa circulação de pessoas nas ruas.
— Tá difícil, porque o nosso ganha pão era na rua. A gente sobrevive com o que tem, infelizmente. Graças a Deus eu estava com um dinheirinho guardado e é com o que eu estou conseguindo me manter. Não era muito, mas já dá pra aliviar a barra. Estou com a minha família e a gente vai vivendo dessa forma. A gente mantém a fé em Deus de que tudo isso vai acabar e vamos voltar com a rotina normal de trabalho, com carteira assinada, apesar de ainda ser ambulante na rua — disse o morador.
Ambulantes se arriscam nas ruas para levar sustento às famílias l Foto: Agência Brasil
Além da preocupação com a alimentação, José Bezerra ainda enfrenta o drama da escassez de produtos de higiene como água e álcool em gel. De acordo com ele, muitas vezes a água abastecida pela Cedae não chega em boas condições, sendo preciso dispor do pouco que ganha para comprar galões. Quanto ao álcool em gel, a alta procura aumentou os preços e acabou com estoques. Dessa forma, o vendedor tem que racionar o pouco que resta entre os quatro moradores da casa.
*A fim de resguardar a identidade e vínculos empregatícios dos trabalhadores essenciais e informais entrevistados nesta reportagem, foram utilizados nomes fictícios e, em outros casos, não citou-se os nomes.
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